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Educação na Era do “Mundo Líquido”: Como o Pensamento de Bauman Dialoga com a BNCC e os Desafios das Escolas Hoje

Em um cenário global marcado por rápidas transformações e pela fluidez das relações humanas, o conceito de “modernidade líquida”, criado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, volta a ganhar protagonismo nas discussões sobre os rumos da educação brasileira.

Por Prof. João Carvalho

12/2/20253 min read

Especialistas afirmam que, em um mundo onde nada parece durar por muito tempo — seja uma profissão, um vínculo ou até mesmo um conhecimento —, a escola se torna uma das poucas referências de estabilidade para crianças e jovens. E a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que orienta a educação no Brasil, aparece como resposta pedagógica estruturada para esse tempo de incertezas.

O que significa viver em um “mundo líquido”?

Bauman utilizou a metáfora dos líquidos para explicar uma sociedade marcada pela instabilidade e pelo ritmo acelerado das mudanças. Na modernidade líquida, tudo flui: relações, carreiras, informações e até identidades.

Nada é feito para durar”, escreveu o sociólogo, ao afirmar que vivemos em uma época em que a rigidez da modernidade sólida cede espaço a uma vida permeada por insegurança e imprevisibilidade.

Essa fluidez atinge diretamente a rotina escolar, influenciando desde o comportamento dos estudantes até a maneira como aprendem, se relacionam e projetam o futuro.

A pressão das mudanças no ambiente educacional

A avalanche de informações, a cultura do imediatismo e o avanço tecnológico constante criam desafios inéditos para professores e gestores. Educadores apontam que a escola precisa ir além do ensino conteudista e assumir um papel formador mais amplo, que inclua habilidades sociais, emocionais e digitais.

Segundo estudos citados por instituições educacionais, alunos da atual geração chegam às salas de aula com foco fragmentado, hiperexpostos à tecnologia e com dificuldades crescentes de concentração — fenômenos já antecipados por Bauman em suas análises sobre a era digital.

BNCC: uma tentativa de resposta ao mundo em transformação

Homologada em 2017, a BNCC estabelece dez Competências Gerais que orientam a formação do estudante para além das disciplinas tradicionais. Muitas delas dialogam diretamente com os diagnósticos de Bauman sobre a modernidade líquida.

Competência Digital como defesa contra o excesso de informação

A formação para lidar criticamente com tecnologias e redes sociais — destacada na Competência 5 — torna-se essencial em um universo saturado de dados e opiniões. A capacidade de filtrar, analisar e validar informações virou requisito básico para a vida em sociedade.

Projeto de vida e flexibilidade profissional

A Competência 6, que trata do “Trabalho e Projeto de Vida”, reconhece exatamente a fluidez das carreiras atuais. Profissões surgem, se transformam ou desaparecem, e os estudantes precisam aprender a se reinventar continuamente — uma das principais características do mundo líquido.

Pensamento crítico como antídoto à superficialidade

A velocidade da internet e das redes sociais produz leitura rápida, análises instantâneas e comportamentos impulsivos. A BNCC enfatiza, na Competência 2, o desenvolvimento do pensamento científico, crítico e criativo, essencial para aprofundar reflexões em um tempo de excessos e superficialidades.

Desenvolvimento socioemocional diante de vínculos fragilizados

Bauman dedicou obras inteiras à fragilidade das relações humanas na sociedade contemporânea. Nesse sentido, as Competências 8 e 9, que abordam autoconhecimento, autocuidado, empatia e cooperação, posicionam a escola como espaço de fortalecimento das relações e da convivência.

Cidadania em uma era de instabilidade

A Competência 10, “Responsabilidade e Cidadania”, incentiva a participação ativa e ética dos estudantes na vida social, reforçando o papel da educação como instrumento de formação crítica e democrática — importante em um mundo de incertezas e rápidas mudanças.

A escola como ponto de estabilidade em meio à fluidez

Na visão de educadores, a escola assume papel fundamental de âncora em uma sociedade líquida. É nela que alunos encontram valores, cultura, socialização e a construção de identidade. A BNCC reforça esse aspecto ao incluir, na Competência 3, o desenvolvimento do repertório cultural.

Diante desse contexto, especialistas defendem que a educação do século XXI precisa equilibrar tradição e inovação: oferecer tanto as bases sólidas necessárias para a vida em sociedade quanto a flexibilidade exigida por um futuro em constante mutação.

Formando sujeitos sólidos em um mundo que muda o tempo todo

Bauman lembrava que “a educação prepara para um futuro imprevisível”.
Essa afirmação resume o desafio contemporâneo: formar cidadãos capazes de lidar com incertezas, tomar decisões éticas, conviver com a diversidade e adaptar-se às transformações constantes.

Ao integrar as propostas de Bauman às diretrizes da BNCC, escolas e educadores conseguem enxergar com mais clareza o caminho para uma formação integral — que contemple competências cognitivas, digitais, socioemocionais e cidadãs.

Afinal, se o mundo é líquido, cabe à educação oferecer os instrumentos para que cada estudante desenvolva raízes fortes o bastante para crescer, e asas flexíveis o suficiente para se reinventar.