PORQUE O CONHECIMENTO LIBERTA.
Vocação não paga boletos: por que tratar a docência apenas como missão enfraquece a profissão.
Uma análise acadêmica sobre identidade, profissionalização e sustentabilidade da docência
Por CQL Educação
12/26/20252 min read


A docência, historicamente, foi associada à ideia de vocação, missão ou chamado. Embora esse discurso reconheça o valor simbólico e social do ato de ensinar, ele também produziu efeitos colaterais importantes: a naturalização da precarização, a desvalorização material do trabalho docente e a expectativa de abnegação permanente. Do ponto de vista acadêmico, torna-se necessário afirmar: ensinar pode ser vocação, mas é, sobretudo, uma carreira profissional.
Vocação: conceito simbólico e seus limites
Na sociologia das profissões, o conceito de vocação está ligado a motivações intrínsecas, valores pessoais e sentido social do trabalho. No campo educacional, essa noção ajudou a consolidar a imagem do professor como agente de transformação social.
Entretanto, pesquisas em políticas educacionais e trabalho docente apontam que o excesso de ênfase na vocação pode:
justificar baixos salários,
minimizar condições inadequadas de trabalho,
deslocar responsabilidades institucionais para o indivíduo,
gerar culpa quando o professor se sente cansado ou desmotivado.
Assim, a vocação, quando isolada da dimensão profissional, torna-se um discurso funcional à desvalorização da carreira.
Docência como profissão complexa
Estudos contemporâneos reconhecem a docência como uma profissão de alta complexidade técnica, científica e relacional. O professor mobiliza conhecimentos:
pedagógicos,
didáticos,
científicos,
psicológicos,
sociológicos,
éticos.
Além disso, exerce autonomia intelectual, toma decisões em tempo real e atua em contextos marcados por desigualdades sociais. Esses elementos caracterizam a docência como uma profissão intelectual, e não como atividade meramente vocacional ou intuitiva.
Carreira docente e identidade profissional
A literatura sobre identidade docente destaca que o professor constrói sua identidade ao longo do tempo, articulando experiência, formação continuada e reconhecimento social. Quando a docência é tratada apenas como vocação, a carreira tende a se tornar:
estagnada,
pouco atrativa para novos profissionais,
emocionalmente desgastante.
Reconhecer a docência como carreira implica discutir:
planos de progressão,
formação ao longo da vida,
diversificação de funções e atuações,
valorização salarial e simbólica.
Sem essa estrutura, a permanência na profissão torna-se um desafio individual, e não um projeto institucional.
Impactos na permanência e no bem-estar docente
Pesquisas sobre evasão profissional indicam que muitos professores não abandonam a educação por falta de compromisso ou vocação, mas por ausência de perspectivas de crescimento. A combinação entre alta exigência emocional e baixa valorização profissional é um dos principais fatores de adoecimento e desistência.
Quando a carreira é estruturada, o professor pode:
projetar o futuro,
redefinir caminhos dentro da educação,
investir em qualificação com sentido,
equilibrar propósito e sustentabilidade profissional.
Superar a falsa dicotomia
Colocar vocação e carreira como opostas é um equívoco conceitual. A vocação dá sentido; a carreira dá condições de permanência. Uma educação de qualidade depende de professores que se importam, mas também de professores que:
são reconhecidos,
têm direitos assegurados,
vislumbram crescimento profissional.
Do ponto de vista acadêmico, a profissionalização da docência não elimina o compromisso ético — ela o fortalece.
Considerações finais
Ensinar não deve ser um ato de sacrifício contínuo, mas uma escolha profissional consciente e sustentada. Reconhecer a docência como carreira é um passo fundamental para a valorização do professor e para a consolidação de sistemas educacionais mais justos e eficazes.
A vocação sustenta o sentido.
A carreira sustenta o professor.
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